Vira e mexe surge alguém comparando o vício em açúcar ao vício em drogas…mas será que é a mesma coisa? Será que realmente existe vício em comida?
Há controvérsias entre os especialistas sobre a existência de vício em comida, alguns questionam como podemos considerar como vício o consumo de algo que é necessário para a nossa sobrevivência*…outros se apegam às similaridades que a “compulsão” por alimentos altamente palatáveis (chocolate, doces, etc) e o vício em drogas. Sim, tem vários pontos em comum e são eles:
- Consumo de quantidades maiores ou por um período de tempo maior do que se pretendia;
- Desejo ou tentativas fracassadas de reduzir o consumo do alimento;
- Continuar a consumir o alimento mesmo que ele traga prejuízos para saúde (pode ser o caso de um diabético que diz não conseguir parar de comer doces, por exemplo);
- Necessidade de aumentar o consumo para se conseguir o mesmo efeito, a mesma sensação;
- Sintomas físicos caso não haja o consumo do alimento;
- Isolamento na hora de consumir o alimento;
- Preocupação em obter o alimento – “preciso de um chocolate”;
Um dos aspectos que as pessoas que defendem que açúcar não gera vício se apegam está em relação ao social, pois “ser viciado em um alimento” não causa prejuízos sociais graves para a pessoa: ninguém dá vexame por ter consumido chocolate demais, ninguém troca o tênis por um pacote de açúcar e eu nunca ouvi falar em alguém que tenha perdido o emprego por conta do “vício em açúcar”… Mas que o vício em comida e o vício em drogas tem mais pontos em comum que diferenças, isso é fato.
É claro que não tem como comparar os danos que o açúcar e determinadas substâncias causam ao corpo, mas os alimentos altamente palatáveis ou ultra processados trazem sim, prejuízos sérios para a saúde se consumidos em excesso…esse é outro ponto que não podemos negar.
Outro ponto que está cada vez mais documentado pela ciência é o fato de que alimentos como açúcar podem ativar áreas do cérebro como o sistema de recompensa (relacionado a produção de dopamina), receptores de opioides, controle de impulsos e regulação de fome. Há inclusive, estudo apontando que o consumo de refrigerantes ativaria as mesmas regiões do vício em drogas em adolescentes acima do peso.
Minha opinião profissional:
É comum encontrarmos pessoas que tem mais dificuldade em reduzir o consumo de determinados alimentos que outras, muitas pessoas tem relação emocional com o alimento e é comum que haja uma perda de controle diante deste alimento após um período de privação, por exemplo. Diante disso, se existe a possibilidade de um acompanhamento psicológico e médico para auxiliar na redução do consumo deste alimento, não vejo motivo para manter o consumo em nome do “não se privar”…ninguém fala para um dependente químico consumir só um pouquinho da substância para “não se privar”.
Comer uma sobremesa em um momento especial é muito diferente de sair “caçando” um chocolate depois do almoço, porque precisa de um doce…ou de se descontrolar e comer 2 barras de chocolate mesmo depois de decidir cuidar melhor da alimentação…ou de estocar doce em casa para caso tenha vontade. Não podemos radicalizar nem de um lado, nem de outro (e eu sei como isso é difícil).
*E, embora eu ame doces, devo dizer que eles não são necessários para nossa sobrevivência…assim como todos os alimentos ultra processados. A gente sobrevive, muito bem inclusive, sem açúcar e ultra processados.
Importante:
Compulsão alimentar, o transtorno, é bem diferente de vício em alimentos…compulsão alimentar não é seletiva, a pessoa até pode começar pelo chocolate, mas vai continuar a comer o que tiver em casa…
*Se esse for o caso, procure ajuda médica e psicológica…. a nutricionista só entra depois.
Referência: What is the Evidence for “Food Addiction”? A systematic Review. Gordon et al, 2018.